Arquivo

Monthly Archives: Junho 2013


 

“Tens uma rosa na mão.

Não sei se é para me dar.

As rosas que tens na cara,

Essas sabes tu guardar.

Levas uma rosa ao peito

E tens um andar que é teu …

Antes tivesses o jeito

De amar alguém, que sou eu.

Tens um livro que não lês,

Tens uma flor que desfolhas;

Tens um coração aos pés

E para ele não olhas.

(cont.)

Texto de Fernando Pessoa


“Teus olhos tristes, parados,

Coisa nenhuma a fitar…

Ah meu amor, meu amor,

Se eu fora nenhum lugar!

Em vez de saia de chita

Tens uma saia melhor.

De qualquer modo és bonita,

E o bonita é o pior.

Teus brincos dançam se voltas

A cabeça a perguntar.

São como andorinhas soltas

Que inda não sabem voar.”

(cont.)

Texto de Fernando Pessoa


“Tens o leque desdobrado

Sem que estejas a abanar.

Amor que pensa e que pensa

Começa ou vai acabar.

Toda a noite ouvi no tanque

A pouca água a pingar,

Toda a noite ouvi na alma

que não me podes amar.

Trazes a rosa na mão

E colheste- a distraída…

E que é do meu coração

Que colheste mais  sabida?”

(cont.)

Texto de Fernando Pessoa


“- Desculpe -disse ele.

E ela:

– Ora essa!

De outra vez, foram ao mesmo funeral. Porém, ela chegou mais tarde por causa do trânsito e ele foi embora mais cedo por se sentir mal.

De outra vez ainda, Inês pôs um anúncio num jornal, o que o Pedro lia todos os dias, mas, nesse dia, ele não o comprou. Já sei, foi azar. E daquela vez em que ele foi falar à televisão, ao programa que ela via todos os dias? Era uma noite de tempestade, houve uma quebra da eletricidade e a televisão avariou. Já sei, foi outra vez azar. Mas era sempre assim. Não havia hora ou lugar onde aqueles dois se pudessem  encontrar. Onde ela ia ele não ia. Ou então entrava quando ela saía. Ou então ia a olhar para o lado e não a via. Ela não existe, pensava então. E, daquela vez, era apenas um fantasma ou uma visão.

Digo-vos isto: ser é ser visto. E se ele não a  via, então ela não existia. Nem existia ele para ela porque também não o via.

Era uma vez Pedro e Inês. Para eles foi mesmo assim, só uma vez, sem antes nem depois. E nem por um momento o mundo se deteve para que nele coubesse o sonho daqueles dois.

Estão quase a chorar? É o que eu pensava, mas olhem que a história ainda não está acabada.

O tempo foi passando, eles também, que o tempo empurra as pessoas para a saída. De quê? Da vida.

Ora bem, Pedro e Inês, que viveram tão desencontrados, morreram no mesmo dia, à mesma hora e foram embora. Cruzaram-se no cemitério municipal ao entardecer, mas iam ambos de olhos fechados. Não se puderam ver

Ficaram a repousar eternamente ( é assim que se diz), lado a lado, e quando acordaram deste sonho mal sonhado talvez tenham, enfim, reencontrado e começado outra historia mais feliz. E era outra vez Pedro e Inês.

Ou será que ela estava alheia, deitada de lado, e ele não estava para ali virado?”

Texto de : Álvaro de Magalhães


“Era uma vez um rapaz chamado Pedro e uma rapariga chamada Inês,que nasceram um para o outro e se encontraram uma só vez.

Foi numa tarde de chuva, num centro comercial. Acenaram um para o outro quase sem querer, como se já se conhecessem muito bem. E conheciam. Ele conhecia-a dos seus sonhos, ela também.

Reconheceram-se entre tanta gente, só que iam em escadas rolantes que seguiam em sentido contrário. E foram em frente. Cada um rolou para o seu lado, pois então, ele saiu no primeiro andar e ela saiu no rês do chão.

Voltaram ambos atrás para se voltarem a ver, mas ele tropeçou nos atacadores dos sapatos e, naquele momento, desviou o olhar. E ela ? Ia atenta, mas entrou-lhe um mosquito para o olho quando ele ia a passar.

Não se riam que esta história é triste, é a história que ficou por fazer e por contar, não se chegou a cumprir. É para chorar não é para rir.

Ora bem , Pedro e Inês eram quase da mesma idade e moravam na mesma rua da mesma cidade. Ele era um rapaz alegre e desenvolto, muito dado, mas um bocadinho aluado. Ela era bonita, tinha uma longa cabeleira negra, aos caracóis  e dois olhos verdes muito vivos, de pardal. Mas era um bocado surda e também via mal.

Pedro e Inês eram feitos um para o outro, isso é verdade, mas a vida não estava feita para eles, ou não lhes fazia  a vontade. Queria lá saber!  E quando é assim, não há nada a fazer.

Certa vez. em Paris, foi por um triz que ela não passou diante do seu nariz. De outra vez, no Rio de Janeiro, chocaram de frente no meio do nevoeiro ( e logo lá, que nunca há nevoeiro; tenho a impressão de que aquele foi o primeiro). Nessa altura, cheirou-lhes a  qualquer coisa de importante e familiar. E o nevoeiro estava a levantar. Mas ela estava sem óculos e ele estava sem tempo, cheio de pressa

– Desculpe – disse ele….” (cont)

 

Texto de : Álvaro de Magalhães